Saturday, May 16, 2009

A desambiguidade do ser


This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper. (T.S. Eliot, The Hollow Man)

O poema The Hollow Man (O Homem Oco), é o mais conhecido texto do poeta americano T.S.Eliot. Estes últimos versos são impactantes para a reflexão do sentido da vida. Esta é a forma que o mundo termina, não com uma explosão, mas com um gemido. O poema começa com a intrigante afirmação: Nós somos homens ocos; Nós somos homens cheios. A esta tensão entre ser oco e cheio, vazio e repleto, sem direção ou direcionado, quero dar o nome de ambiguidade.

Vivemos um tempo em que o ser humano aprendeu a celebrar a ambiguidade. Aprendeu a conviver com as frequentes tentativas de se navegar no caos moral, sempre propondo caminhos duplos, ambíguos sem que se resolva o caos. O homem é oco ou cheio, dependendo das suas necessidades pessoais. Na verdade, o ser ambíguo é dirigido por suas necessidades, pela ética da performance, e não no ser.

Este caos moral em que vivemos tem uma causa ética. Na verdade, como uma herança da modernidade que sempre diálogou com a filosofia, aprendemos a discutir sobre ética, elaborar tratados sobre ética, mas, infelizmente, desconectamos a ética discursiva da ética na prática da vida. É como preocupar-se com o tratado de Kyoto por um lado, e oprimir o pobre por outro. É como plantar uma árvore pela manhã, e adulterar o cônjuge no fim da tarde. Pregar a honestidade numa situação, e ser elástico, esperto em outra. O ser ambíguo é assim, sempre há várias agendas, várias preocupações, vários estímulos, e um não precisa estar necessariamente conectado ao outro.

A ambiguidade nasce junto com a proposta do pecado. O pecado é a maior expressão da ambiguidade na história. Pecado é tudo o que separa o ser humano de Deus. Aquilo que ele faz na presença dos homens, que não faria na presença de Deus. Esta duplicidade no ser proporciona uma perspectiva superficial do mal social e da natureza humana. No campo pessoal, sinais como hipocrisia, auto-ilusão, egoísmo e crueldade, estão no cerne da natureza humana e não são tratados pelas mais diversas áreas do saber. A partir de uma visão social, sinais como a inveja política, avareza na economia, a libertinagem da industria da moda e a violência do comércio do entretenimento, são também não tratados. Em função deste olhar superficial para o indivíduo e para a sociedade é que decorre a não compreensão ética.

E porque chegamos onde estamos? Em seu livro Os Sete Pecados Capitais, Os Guinnes sugere que chegamos neste caos moral pela falta de análise do motivo da ambiguidade (pecado). Aponta pelo menos três movimentos dos quais decorrem a crise moral.

O primeiro movimento é o Permissivo. Decorre da proposta de Dostoievsky (irmãos Karavazov): Se Deus estivesse morto tudo seria permitido. Infelizmente, juntamente com esta, a proposta de F. Nietzsche ecoa firmemente em nossos tempos posmodernos também. No seu mais famoso escrito, Deus está morto, o autor propõe uma avaliação dos valores judaico-cristãos, atravez da proposta de que Deus morreu. Se Deus morreu, morre com ele a ética. Portanto, a sociedade permite tudo, porque tudo não tem sentido para ela.

O segundo movimento é o Transgressivo. Vivemos dias nos quais transgredir é parte natural do processo. Os caminhos da transgressividade em nossos tempos decorrem dos idos de 60, com o movimento que teve início na França, especificamente na Universidade de Sourbone: É proibido proibir! No Brasil da década de 60, em meio ao regime militar ditatorail, trasgredir era questão de sobrevivência para a sociedade estudantil. Caetano Veloso, no festival de 68, mesmo sendo vaiado, lança o refrão no Brasil: é proibido proibir, é proibido proibir, tem que se dizer não ao não. Madonna, no início da década de 80, com o sucesso de Like a Virgin (Como uma virgem), reflete esta transgressão para o mundo, misturando valores religiosos e sexuais, em uma proposta clara e evidende de transgressão moral. O ponto é que esta transgressão, tanto social, quanto pessoal, gerou um comportamento transgressivo. O exemplos estão na mídia todos os dias. Michael Phelps foi fotografado fumando maconha. O apótolo contrabandeou dinheiro dentro da Bíblia, enquanto o deputado, tinha dinheiro na cueca, ou na mala. A transgressão virou moda que não se expressa mais nos meios de massa apenas, mas nas casas também. Cada dia mais, filhos transgridem a autoridade dos pais, e caminham para um abismo moral sem fim. Corremos o risco de perder uma geração inteira, por conta dos frutos desta mentalidade transgressiva.

O terceiro movimento é o Remissivo. A sociedade está sendo desfiada e carcomida e ninguém ajusta o caos. Redimir o erro e conviver com o absurdo parece ser a tônica do momento em que vivemos. Bill Clinton é um exemplo absurdo da remissão da não ética. O caso conhecido como MonicaGate remete a um caso de manipulação, metiras e jogos de interesse, que termina com a remissão pública anunciada por Hilary Clinton, ao dizer que não foi tão grave assim. A remissão do absurdo revela o comportamento de uma humanidade que não tem mais forças para dizer não, afirmar valores absolutos e gerar transformação não apenas do comportamento, mas da vida. Infelizmente, a mentalidade remissiva é a mãe do descompromisso, do desinteresse e da proposta do “cada um por si...”

Vivemos uma sociedade assim, que por meio destes fatores absurdos, celebra o caos. Acostuma-se a cada dia com o absurdo, anestesia-se com a ilusória superficialidade de pensar que não temos problemas, embriaga-se com as distrações tecnológicas, e coloca a esperança num sistema financeiro falido, corrupto e mal intencionado.

Qual é a proposta para a cura destas profundas marcas na vida humana? Como resolver esta crise que se aprofunda a cada dia, e que parece incontrolável? O evangelho é uma proposta simples, de direções simples, e que traz a cura integral para o ser humano como um todo. O evangelho é a desambiguidade do ser. O evangelho integra o ser humano, faz dele um só, inteiro, completo, cheio, pleno e restaurado, para sempre.

O problema é que a Igreja, ao longo dos anos, tem desenvolvido uma espiritualidade matraca. Como se fôssemos papagaios, aprendemos os cânones, decoramos a doutrina, os versículos, fazemos as sete semanas de oração, as campanhas de fé, as reuniões intermináveis, treinamentos sem sentido, para a reprodução de um ensino que massifica o crente, e que o descaracteriza como pessoa, imprimindo nele um ritmo coletivo apenas, sem que a proposta de Jesus desça ao coração e transforme o cara de dentro pra fora.

O mandamento de Jesus aos discípulos em Mateus 28.20 é para que eles ensinassem os crentes a obedecerem tudo o que Ele havia ordenado. Como? Ensinando! A missão principal da Igreja é ensinar os crentes a obedecerem. Não uma obediência moral, mas uma submissão que decorre do seguinte fator. É preciso conhecer a Jesus, a sua pessoa e a eficácia de sua obra, para que assim se obedeça o mandamento.

Portanto, a pessoa de Jesus é aquela que integra o ser humano. Conhecer a Jesus é a cura para o ser. É o fim da ansiedade, é a restauração dos relacionamentos, é a vida sendo vista com os óculos da eternidade e do amor que me aceita como sou e que me trasnforma no ser que Ele deseja. Longe de toda padronização moral, Cristo é a libertação da mente e do coração, que me faz livre para amar, para me relacionar com a vida sem o peso da performance, sabendo que sou aceito, simplestmente aceito como sou, limitado assim, pecador assim, com a história que tenho, mas abraçado pelo eterno, que me prometeu...Eu vou estar com você até o fim!

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