Um episódio interessante neste aspecto da revelação da graça é o encontro de Jesus com o homem da mão ressequida(Mc 3.1-6). É dia de Sábado, todos os homens da cidade se dirigem para a Sinagoga, e entre eles, Jesus e seus discípulos. Já no lugar, um homem com a mão ressequida chama a atenção de Jesus, que o convida para o centro, e pergunta aos fariseus se é lícito curar no Sábado. Diante do silêncio dos fariseus, Jesus restaura a mão daquele homem. Uma cena simples de ser descrita, pela brevidade das palavras ditas, mas inversamente profunda, pelos sentimentos, olhares e percepções não verbalizados, contudo divinamente narrados por Marcos.
Há uma tensão entre a graça de Deus e a justiça própria do homem. A graça proclama que temos acesso a Deus por causa do favor do Senhor em Cristo. A lei, pelo contrário, afirma que a obediência e o mérito próprio é que garantem a comunhão com o Senhor. Assim, a doutrina ensina que o Sábado é importante. Jesus, no entanto, ensina que pessoas são mais importantes, pois Ele próprio é o Senhor do Sábado, e de todas as outras doutrinas. O fim da lei é Cristo. O centro do evangelho é Cristo. O resumo do amor de Deus é a vida de Cristo. Assim, diante daquele homem com a mão ressequida estava a própria graça encarnada de Deus, que liberta o ser humano de todos os encarceramentos possíveis.
Para os fariseus, o homem com a mão ressequida era uma prova da sua superioridade. Prova disso, é o fariseu orando na esquina, agradecendo por ser melhor que os outros, enquanto o publicano, que era pecador declarado, não conseguia sequer levantar os olhos, e tudo o que fazia era clamar pela misericórdia de Deus. Na verdade, esta mentalidade da justiça própria quer manter os enfermos como eles estão, para que outras enfermidades não sejam reveladas. Quer afirmar a sequidão do outro, e amenizar o real estado do coração já mirrado pela injustiça. Assim, por detrás daquela mão ressequida estão outras mazelas, que devem igualmente ser tocadas pela graça.
Quais foram as atitudes dos fariseus, que revelam a justiça própria, presente no coração do ser humano? Três ações, como cenário da negação da graça: a) Acusação: Observavam Jesus buscando encontrar erros que o submetessem a acusação. O papel o acusador é apontar falhas no intuito de imputar culpa; b) Omissão: o silêncio dos fariseus foi extremamente revelador. Foi sinônimo ao silêncio do sacerdote e do levita no caminho para Jericó, diante do moribundo à beira do caminho. O silêncio dos fariseus é o mesmo que o de Pilatos, ao lavar as mãos diante de injustiça humana. É o silêncio de Judas, quando na última ceia, sorrateiramente se retirou, para trair a Cristo. O silêncio dos fariseus não é o silêncio dos inocentes. Antes, é o esconderijo dos omissos, o lugar dos cruéis, daqueles que se alegram com a tristeza do outro. Assim, omissão é um pecado grave, pois é a expressão do descaso e do desamor ; c) Conspiração: Diante da graça, da cura e da libertação, os fariseus escolhem a porta dos fundos, a saída dos invejosos. Conspiram para destruir a graça, planejam o mal, associam-se com herodianos, gente da pior espécie, a fim de rechaçarem a Cristo.
Jesus tem sentimentos e ações bem diferentes. Assim como todos os homens da cidade, Jesus também se dirigiu à Sinagoga no sábado. Enquanto o olhar dos fariseus estava fito na lei, ou na falha do outro, o primeiro olhar de Jesus foi na direção daquele que era o mais necessitado. Um homem à margem, enfermo, esquecido pelos poderosos, mas lembrado pelo Senhor. Assim, Jesus convida-o à sair de sua posição, e vir ao encontro da graça. A pergunta que deve ser feita aqui é esta: Para onde vão os olhares dos seguidores de Jesus diante das chagas, aflições e feridas humanas?
Há muitos homens e mulheres ressequidos na alma, que estão à margem do movimento de Jesus. São os que estão com o coração mirrado, a espera da graça. Buscando um olhar, um convite, um momento quando possam sair das sombras, e ter sua enfermidade tocada e curada por Jesus.
Dois sentimentos de Jesus diante da omissão humana: a) Indignação: o pecado deve gerar indignação. Quem não se indigna com o erro ou com o pecado dominando vidas, é porque não ama nem a Deus, nem tampouco o próximo. A indignação de Jesus é, portanto, o resumo do sentimento de quem se importa com a vida, e com aquele que está sofrendo. A indignação é, neste caso, expressão do amor, da graça e da salvação de Deus; b) Compaixão: Jesus compadeceu-se com a dureza do coração dos fariseus. Ao contrário do que se poderia pensar, Jesus não é violento com os fariseus, contudo se entristece com sua atitute, e condoe-se diante de tamanha distância de Deus. No fim das contas, a distância de Deus é a maior das ignorâncias humanas. Não há nada pior que viver na escuridão, distante da graça de Deus.
A ação final de Jesus foi devolver o homem da mão ressequida à normalidade, restaurando-lhe o ser. Assim, o encontro com Jesus, revela a graça de Deus, que nos toca, e nos devolve à naturalidade. Nossas sequidões são banhadas pelo amor do Senhor, e onde antes havia deserto, hoje há pomares. Onde havia tristeza, há alegria. A dor dá lugar à cura, e o pranto é vencido pelo riso. Tudo graças a Jesus, que pela graça, convida o ser humano sofrido ao meio, toca-lhe a ferida e o devolve à vida. Quanto maior é a graça, maior é Cristo em mim.
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